O futuro dos meus filhos é aberto as suas opiniões, mas claro, sempre depois da castração obrigatória que eu (e todos os pais existentes) impomos durante décadas de doutrinação psicológica e modulação artística na mente das extensões óbvias da nossa existência: nossos filhos.
Sou a favor da inclusão social, da quebra de barreiras, da diversidade, do todo. É importante levantarmos bandeiras e lutarmos por causas urgentes como o feminismo e a questão racial; e é importante brigarmos contra o “status quo” que determina o lugar estagnado de toda uma classe, ou de todo um colégio.
Recentemente fui convidada a integrar um grupo de whatsapp que defende a inclusão de crianças negras no colégio e que meus filhos estudam. Imediatamente aderia à causa e passei a estudar mais sobre o assunto, tão importante para reflexão nos dias atuais.
Com o avançar da discussão percebi, porém alguns pontos me preocuparam e, com minha mente criativa de escritora, já comecei a vislumbrar os possíveis cenários catastróficos de uma forçosa e repentina inclusão de crianças negras, selecionadas em colégios da periferia, sem a correta adequação de ambas as partes.
Imaginei um casamento em que os pares, tão diferentes entre si, são obrigados a conviver para acomodar os reinos discrepantes e desproporcionalmente distantes em realidades que não convergem em nada, nem na culinária, na música ou na dança.
Ainda no mundo da imaginação, vislumbrei as crianças chegando na aterrorizante visão do inferno para elas, as quais deveriam, de uma hora para outra passar a conviver com exemplares de seres humanos acostumados a tecnologia do Playstation de última geração, aos Iphones e acessórios mais modernos, ao conforto e estilo das marcas Gap, Polo e Kipling, que ocupam boa parte dos armários confeccionados sob medida para seus quartos recém-reformados por decoradores renomados… exageros à parte, vislumbrei um cenário apocalítico onde os meus filhos fariam parte dos zumbis comedores de pessoas assustadas e reféns do capitalismo exacerbado que impera no endereço da renomada escola, que agora é coibida a flexibilizar o acesso à excelência de ensino dos que nunca puderam usufruir dela, por inteira e completa injustiça dos nossos antepassados humanos e desprezíveis.
Mas a pergunta não consegue se calar no canto esquerdo da minha perturbada e pessimista mente: “Estarão as crianças deste ou daquele colégio de classe média alta preparadas para receber os novos amigos sem incorrer em nenhum tipo de preconceito ou discriminação?” Ou ainda: “Estarão, os pais dessas crianças, prontos para mudar o seu próprio “mindset” com relação ao estereótipo de amigos que idealizam para os seus filhos?”. Porque é claro, eles provavelmente não estão refletindo sobre a problemática de colocar dentro da sua própria casa, uma criança que não acompanhe o mesmo nível de educação e cultura dos seus – e isto é um fato, não uma suposição.
Lembro-me do dia em que minha filha de 4 anos começou a dançar freneticamente um funk com sua bundinha dando mil voltas por segundo e tentando atingir a superfície do chão, em um remelexo lindo, porém distante da estética que acompanha meus aplausos preconceituosos e ligeiramente elitistas. Também penso no dia em que meu filho ficou doente e se recusou a tomar o antibiótico alegando que se “salvaria” com a água sagrada da igreja evangélica que nunca frequentamos – diga-se de passagem eu e meu marido não estimulamos o apego a religiões, somente à fé, mas essa já é outra história… descobri que tais eventos eram provenientes da influência da nossa babá, moradora de Belfort Roxo, subúrbio do Rio de Janeiro, e frequentadora fervorosa das rádios de funk e dos cultos de domingo na Igreja do Edir Macedo.
Respeito todas as crenças, religiões e culturas, mas prefiro colocar dentro da minha casa o meu próprio tempero, que tem a medida exata do gosto de azedo e de doce que quero disseminar nas bocas dos meus filhos. E, dentro desta mesma premissa, entendo que todas as pessoas que frequentarem a minha casa deverão estar em sintonia com tais propostas. O futuro dos meus filhos é aberto as suas opiniões, mas claro, sempre depois da castração obrigatória que eu (e todos os pais existentes) impomos durante décadas de doutrinação psicológica e modulação artística na mente das extensões óbvias da nossa existência: nossos filhos.
Então, repito aflita a pergunta, agora de uma forma mais polida e dialeticamente aparada: “Estaremos nós, mães e pais de crianças classe médias-ricas, preparados para promover a verdadeira inclusão social que tanto pedimos?”
Não sei a resposta para essa pergunta, mas ouso dizer que nosso grito ecoa em um tom alto demais para nossos próprios e deficientes ouvidos…
Cris Coelho